sexta-feira, 23 de outubro de 2009

George Sonha Que A Mulher do Trem É Satânica E Busca A Ajuda de Um Padre


No dia seguinte, George acordou muito viril, sem saber porquê: é que sonhara que a Mulher do Trem e Telma - ambas! - faziam toda uma série impublicável de coisas com ele na cama. Por isso acordou muito macho e tomou um litro de iogurte de morango no desjejum direto do pote, fazendo um blug blug blug interminável que lhe deixava cair gotas túti frúti pelo queixo. Ao final ele fez AAAH!! e limpou a boca com a manga. Isso lhe carregou mais ainda a alma de virilidade, e ele se sentiu imensamente satisfeito consigo mesmo. Quando fez a barba, com muita espuma branca, parecendo um cachorro danado e tirou-a todinha batendo com o barbeador na pia e assoviando uma canção que ele apenas imaginava ter ouvido por aí, mas que fora mesmo ditada a ele em sonhos, teve todo o cuidado de erguer um pouco a perna apoiando o pé no lava-pés apenas para provocar em si mesmo uma dose ainda maior de seu orgulho de macho - e não pude deixar de admirar suas cochas fortes e bem feitas e sua bunda arredondada que... (ah, meu Deus,por que eu escrevo essas coisas?).
Depois ele procurou loucamente por um par de meias, não o encontrando, de forma que pôs nos pés uma meia azul escura e outra branca, ouvindo o riso abafado de Deus às suas costas. Com o humor levemente estremecido, ele passou sua camisa, vestiu-a e deu um nó cuidadoso na gravata, rezando aos céus para que não sofresse nenhum acidente grave que o transformasse em objeto de gracinhas das enfermeiras de algum hospital anti-higiênico. Colocou algumas gotas de seu novo perfume - agora algo leve, uma fragrância que lembrava uma pausa no deserto de algum tuareg, nada mais da loção francesa intimidadora (ainda que ele se sentisse um tanto insatisfeito e saudoso do perfume que tanto agradara seu próprio nariz por anos e mantivesse o pensamento culpado por tê-lo abandonado). Deu uma última olhada no espelho, julgou-se simplesmente lindo (George não tinha a menor dúvida de que era o mais belo homem do mundo - as mulheres é que eram imbecis demais para reconhecer isso), apanhou sua velha pasta (onde havia apenas um walkman, mas ele gostava de manter a aparência de um importantíssimo executivo de Londres da City) e rumou, ainda assoviando a canção para a estação, saltitanto os degraus da escada de dois em dois, o que combinava, assim ele pensava, com sua recém aumentada masculinidade.
Foi no trem que ele sonhou. E o fez como uma criança: a cabeça inclinada para trás, ressonando baixinho, incomodando intensamente a velha senhora do banco ao lado dele, que tentava acomodar vários pacotes de sementes ao lado de um poodle cego pela catarata e que matava o tempo tedioso imaginando mil maneiras de estrangular o pobre e querido George. E George sonhava:
Ele estava em uma praia. Não era deserta porque as crianças brincavam - George podia ouvir-lhes os gritinhos. Mas eram crianças ou gaivotas? Tudo ficou em silêncio quando a Mulher do Trem se aproximou. Ela caminhava em passos que a faziam flutuar pela areia amarela e tépida. O sorriso dela para George fez o bom rapaz estremecer! Eis que era a Mulher do Trem, a verdadeira dama pálida, a dona do coração de George. "Ah, minha querida!", disse George. "Ah, meu querido!", respondeu a mulher. E então, o rosto dela contraiu-se em um profundo ríctus nervoso, toda sua expressão se alterou: a palidez virou um exagero de mortalha, seus olhos espremeram-se em pura maldade e carbúnculos emergiram de sua testa: ela se convertera em um demônio! Babava, ria guturalmente e se aproximava mais e mais de George com os braços estendidos. Ele acordou com um grito rouco e atravessado, que fez o poodle cego ganir baixinho; a velha senhora das sementes enfiou o rosto em uma revista, desgostosa.
George trabalhou normalmente aquela tarde, mas menteve o pensamento carregado de presságios. Os próximos dias foram repletos de augúrios e nervosismo: se o telefone tocava, ele, por vezes, deixava de atendê-lo e, mesmo quando o fazia, tinha sempre a impressão de que uma voz estranha anunciaria algo que ele preferiria não ouvir. Também não atendia a campainha e evitava as ruas, pedindo comida por telefone. Para distrair os nervos, começou a limpar a casa. Passou o aspirador tantas vezes que bem poderia sua casa servir para um comercial das Casas Bahia Tudo Para O Seu Lar Compre Em Até Trinta E Seis Vezes; e finalmente, ele procurou um padre. Nosso bom George precisava de conselhos!
O padre era um tipo reumático. Foi muito esperto da parte de George procurá-lo bem no Halloween, quando o padre lamentava pelos resquícios pagãos que atraíam suas ovelhinhas e estava com o coração aberto para dar conselhos paternais aos seus aflitos seguidores. Recebeu George no confissionário e aplicou em seus ombros dois violentos tapas de cumplicidade masculina. George sentiu-se extremamente viril! Depois de meia hora, o bom padre apenas resmungava e dizia: 'sim, sim' ou 'não, não', vibrando lentamente a cabeça afirmativa ou negativamente, conforme considerasse adequado. George contou tudo sobre a Mulher do Trem, o que fez o padre fazer uma severa advertência sobre as obras de Satanás. Depois, George queixou-se de que as mulheres nada queriam com ele, esquivando-se dele tão logo fosse possível. O padre aproximou tanto o rosto da boca de George, que este deu um pequeno pulo, julgando que o religioso fosse beijá-lo nos lábios. Mas o bom homem apenas queria testar seu hálito, confirmando que nada havia de errado com o sopro suave que saía de dentro de George. Onde estaria o problema?, perguntou-se o padre, nessas alturas já se interessando pelo animal interessante que George representava. O padre não sabia. Consolou George apenas afirmando que, em sua juventude, passara pela mesma coisa - comentário que George julgou muito estranho, vindo de um padre. Finalmente, os dois homens apenas se olharam, George perguntando-se o que mesmo estava fazendo ali, e o padre acariciando os nós dos próprios dedos, orando para que George fosse embora, e ele pudesse atacar o cordeiro assado com batatas que a cozinheira fizera com tanto capricho. Então, o padre ordenou a George que lançasse todo um conjunto disciplinado de orações (George julgou muita coisa, mas não fez comentários). Os dois homens se levantaram (o padre com um sorriso alegre e aliviado) e trocaram um aperto agressivo e másculo de mãos.
Quando George chegou em casa, o telefone tocava desesperadamente.

6 comentários:

  1. Puxa! Que saudades! O George amadureceu um pouquinho. Ele está mais firme e ainda mais encantador.
    Adorei Sid. Vc é o máximo!
    Beijokas
    Mary

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  2. Você acha????????? Eu to achando o pobre e querido George ainda mais infantilizado! kkkkkkkkkkkkkk
    Saudades desse espaço. Beijos.

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  3. Pois é... Saímos da Idade Média, mas a Idade Média não sai de nós, hehehehe!...

    Ah, George, George... Será que um dia você toma jeito, rapaz???

    Que bom que você retomou a história, temia que você tivesse abandonado o projeto!

    Abraços!

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  4. Não, não, nunca vou abandonar. Seria muita ingratidão com quem gostou da história - e, sinceramente, eu tbm gosto muito do meu George. Muito obrigado a vcs todos pela paciência em me ler até aqui.

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  5. Poxa, só agora pude ler este capítulo. Que bom que retomou, só não nos deixe muito tempo sem novos capítulos. Será que o padre se apaixonou por George?????

    Abraços saudosos. Apareça.

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  6. quero mais sobre a história de george,,, quem estava querendo falar com ele ao telefone??? será que era o padre ou era engano??? ou eram outros que assistiram seu sonho no trem???

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