sábado, 27 de junho de 2009

George desconfia que ninguém gosta dele


Na sexta-feira, os colegas de escritório onde o pobre e querido George trabalha sempre marcam alguma coisa para depois do expediente. Ora, é um jantar na casa de um, ora é uma festinha na casa de outro. Ou vão para o bar. Ou para o bilhar. Ou para a gafieira. Ou para a danceteria. George é sempre excluído, mas não sabe porque em sua natureza boa e gentil ele parte do princípio que todos o amam. Há uma sutil desconfiança em sua alma infantilizada de que não é bem assim, mas ele afasta esta desconfiança com um gesto jovial: todos o amam - incluindo seu chefe - e por que não o amariam se ele é educado, simpático e faz as coisas que se deve fazer, incluindo não pisar na grama nem deixar de contar boas piadas sobre portugueses, gays e papagaios? (Não que cheguem a rir de suas piadas, mas sorriem e, se logo pedem para que ele faça algo, como escrever um email, não é, certamente, para livrar-se dele, nem nada indelicado.) Mas ele ficou muito chateado quando viu alguns colegas combinando assistir o final do campeonato do time de George e não estenderem o convite a ele. Isso deixou uma marca indelével no rapaz e ele se vingou ficando em silêncio o resto da tarde - o que não surtiu o menor efeito. Contudo, na semana seguinte, uma moça muito bela chamada Josephina foi contratada para trabalhar no mesmo setor de George, e a entrada dela no local logo provocou uma intensa energia magnética, com os homens se ajeitando, empertigando-se ou simplesmente trocando olhares subreptícios e com as mulheres olhando fixa e geladamente para a moça em questão. O primeiro, porém, que a convidou para ir ao bar "pois passavam uma música ao vivo ótima, com uma judia do Bom Fim cantando Janis Joplin maravilhosamente", recebeu uma gélida negativa da nova funcionária, o mesmo sucedendo com o segundo colega, que a convidou para jantar em um aconchegante restaurante italiano - convite que ela considerou indelicado porque os homens deveriam adivinhar quando uma mulher está em dieta, como era o caso dela, apesar de ser tão magra que parecia que iria desabar a qualquer momento. Finalmente, estarrecendo a todos, ela aceitou o convite do querido George! Ele a convidou para assistirem juntos a ópera onde estavam apresentando Mme. Butterfly. "Sim, por que não?" disse a jovem, e George voltou todo bobo para casa.
(Ah, como é doloroso escrever que a mulher não compareceu ao local do encontro deixando George parecer mais idiota do que nunca por quase duas horas em um barzinho onde havia um televisor ligado mostrando como os leões se acasalam! Fingindo grande interesse pelo que aparecia na tela, George saiu dali desconfiado que a vida é uma pequena porcaria, muito semelhante àquela feita pelos cães e que, agora que ele deixou o bar, grudou-se fixamente em seu sapato, quando ele decidiu, em cândida revolta, insultar o sistema e pisar jovialmente na grama.)
O fato é que a moça não foi. George comprou pipocas e decidiu ir a um bordel. Em sua concepção de mundo, ele acha perfeitamente normal pagar uma moça para aliviar suas necessidades, quando não encontra uma alma que o faça prazeirosa e gratuitamente. Enquanto caminhava pela cidade, que à noite parecia enganadoramente pacífica, George viu um grupo de homossexuais assoviando para ele. Apenas riu: não acreditava que um homem pudesse gostar de outro, aquilo deveria ser apenas um engano ou um problema nas amígdalas! Ele terminou de comer a pipoca, entrou em um táxi e foi direto para o Accueil, uma casa de tolerância de uma dama francesa ou canadense, amiga íntima de George. E quando descobriu que não havia nenhuma moça disponível, não estranhou. E quando perguntou à madame por que tudo dava sempre errado para ele, ela, de maneira maravilhosa, serviu-lhe um conhaque, e explicou-lhe (era uma mulher muito sábia) que, quando esperamos com ansiedade algo do mundo, o mundo nos dá o contrário; mas, quando apenas entregamos nossas vidas ao universo, de forma confiante, retirando a ansiedade do caminho, o universo nos dá exatamente o que nossos corações precisam. Encorajado por estas palavras, George contou a ela tudo sobre a Mulher do Trem. Madame sacudiu maternalmente a cabeça. Era uma mulher muito prática e se recusava terminantemente a acreditar em amor à primeira vista. No entanto, ela era também uma médium razoável, e de repente teve um sinal, uma graça ou dom oriundo dos céus. George ficou muito sério e empertigado e madame disse a ele que, em breve, uma mulher surgiria em sua vida - e era por isso que o universo impediu Josephina de comparecer ao encontro. George ficou muito feliz e fez aquela cara de carneiro doente que tanto me irrita. Mas madame apressou-se em explicar que a mulher em questão era uma verdadeira sacola de problemas! "Ela afetará sua vida de várias maneiras, meu bem! Seu mundinho ficará todinho de cabeça para baixo!" George disse que não tinha importância. Disse que a queria assim mesmo. Disse que era melhor uma mulher que virasse sua vida de cabeça para baixo, do que não ter mulher alguma." Madame não sabia se concordava ou não. Ela estava na fase em que viver sozinha é sempre preferível a cultuar aborrecimentos - mas ficou quieta, como convém a uma cafetina de respeito. George, animado pelas revelações mediúnicas de madame, perguntou, ainda mais uma vez, o que poderia haver de errado com ele, que todas as mulheres logo se afastavam tão logo o conheciam. Encorajada pelo segundo conhaque, madame disse a George que a causa poderia estar em seu perfume francês - que era muito forte, intimidador e fazia com que se sentisse um desesperado desejo de abrir todas as janelas do mundo. O pobre George deu uma cheiradinha na própria axila, caindo em uma imediata melancolia. E, enquanto sonhava com a insólita dama que o universo estava prestes a enviar a seus braços, concordou interiormente em mudar de perfume.

6 comentários:

  1. Muito bom, George realmente vive no mundo e não percbe as coisas a sua volta. Pensar que alguns homens estavam com problemas na garganta foi claramente não perceber que a vida existe e toda forma de amor também.
    Embora não acredite em cartomantes, videntes e etc, vamos ver se realmente o caminho de George está num relacionamento com a cmplicada Telma.
    Não demore na criação do próximo episódio, estamos ansiosos.

    Parabéns

    Gilson

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  2. "George ficou muito feliz e fez aquela cara de carneiro doente que tanto me irrita."

    Genial!!

    Meu Deus do céu, no que resultará o encontro da confusão interior de Telma com a sem-noção de George?

    Mal posso esperar para saber!!

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  3. Gente, eu fico verdadeiramente fascinado com o fato de que vcs parecem gostar do texto. Mas não consigo me impedir - sem nennuma falsa modéstia - de sentir uma boa dose de constrangimento.
    Eu não sei o q vai acontecer em "George"; não tenho mesmo ideia! Mas estou mesmo amando escrever aqui e tbm poder acompanhar as novidades que vcs escrevem (ou acabarão por escrever).

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  4. Mas o que fez essa mulher dizer não para os outros e fazer o George de bobo dando o bolo nele? Tem horas que o Universo conspira contra mesmo. Tadinho...
    Casa de Tolerância foi ótimo!! Fazia tempo que não lia/ouvia isso :D
    Bem, de todo o texto duas coisas chamaram mais a minha atenção:
    "quando esperamos com ansiedade algo do mundo, o mundo nos dá o contrário; mas, quando apenas entregamos nossas vidas ao universo, de forma confiante, retirando a ansiedade do caminho, o universo nos dá exatamente o que nossos corações precisam" ansiedade é algo que atrapalha muito pois não nos deixa ver se o que queremos é mesmo o que precisamos.
    E a outra, quem me conhece sabe bem que eu e madame pensamos igualzinho:
    "Ela estava na fase em que viver sozinha é sempre preferível a cultuar aborrecimentos"

    bjusss

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  5. "Ela estava na fase em que viver sozinha é sempre preferível a cultuar aborrecimentos"

    Luci, eu também estou secundando Madame ^^ Quando li, achei essa frase absolutamente pontual!!

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  6. Existem pessoas como o George... que simplesmente naõ estão lá. Existem, mas é como se fossem transparentes.
    Pobre George.

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