domingo, 24 de maio de 2009

A mulher do trem



Houve que um dia George acordou mais tarde e perdeu o trem e como era segunda-feira ele logo imaginou que não deveria se sentir mais feliz por isso. Mas nada havendo a fazer, ele o fez: tomou outro trem. E de maneira vaga e instintiva ele compreendeu que perder aquele trem era algo conspiratório, religioso, típico de uma lei cósmica que ele apenas tateava. Pois deu-se que, ao ver um trem passar no sentido contrário ao dele, quando ele já tinha descido na estação e ia para o escritório, ele viu uma mulher dentro daquele trem oposto ao caminho dele. E como era uma mulher linda e pálida e tinha um olhar de mistério, e como ele perdera seu próprio trem em uma segunda-feira, ele compreendeu que havia na questão uma beleza que só pode ser atribuída ao universo, pois aquela mulher, tão linda e rodeada por um mistério, só poderia, assim pensou George, ser a mulher da vida dele - ou ele não teria perdido o trem em uma manhã de segunda-feira. Isto lhe pareceu lógico e justo. Ele sentiu um frio gostoso e excitante no estômago e preparou-se para tomar um café no bar fedorento da esquina, ainda que isso o atrasasse mais ainda aos seus deveres; conhecer a gêmea chama de sua vida pareceu-lhe mais importante que cumprir seus deveres, e era quase de mau gosto ir trabalhar depois de ter visto uma mulher dentro de um trem e compreender que esta mulher é a mulher de nossas vidas. Muito feliz com sua própria dedução, George entrou no bar, pediu um café horrível e requentado e doce, tomou-o com uma inacreditável e quase religiosa satisfação e perguntou-se, em meio ao emaranhado confuso de suas ideias como ele faria para reencontrar a fina dama que ele avistara por um único e letal segundo de sua vida e que era - sem nenhum tipo vulgar de dúvida - o perfeito acabamento que a natureza dera à sua alma, até então desencontrada de si mesma e confusa - sim, muito confusa, pois lhe faltava algo que a ele era desonhecido, mas que agora lhe era anunciado como uma sonata de mil anjos: ele saía de um estágio e entrava em um outro; e ao repassar mentalmente a beleza misteriosa da dama belíssima que ele vira no trem, George soube agradecer pelas segundas-feiras de atraso, pelos cafés horrivelmente doces e pelo próprio destino que agora se fazia tão cheio à sua cara como um pão caseiro de uma avó escrupulosa. Bebendo com prazer seu último gole do horrendo café, George perguntou-se quanto custaria um detetive - pois também de coisas práticas é feita a vida, além de finas damas que atravessam nossas vidas em um trem que viaja no sentido oposto ao nosso.

6 comentários:

  1. Syd, gostei de seu texto. Dá vontade de ler logo a continuação...

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  2. Ah, esses belos e fugazes fantasmas da beleza que trazemos inconscientemente guardados dentro de nós... Um dia eles se materializam por um segundo tão fugaz quanto a sua própria natureza e, de imediato, o universo se torna cor.

    Intrigante, o seu texto!

    Vim visitá-lo através do link-convite que minha prima Luci deixou em seu blog pessoal e gostei muito do que li.

    A gostei ainda da escolha da foto de minha Diva Jolie para personificar a beleza!

    Abraços!

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  3. Obrigada pela visita ao meu Memórias e também pelos elogios!
    Seja sempre bem vindo quando quiser retornar! ^^

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  4. Hummm adorei! aliás sempre adoro tudo que vc escreve. Fico muito feliz de vc nos brindar com um blog onde teremos a felicidade de ler-lhe :)

    Raven é uma pessoa muito especial, tanto como ela mesmo como na minha vida. Fico feliz de vcs dois terem se encontrado.

    bejãooooooooooooooooooo

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  5. Obrigado a todos pela compreensão com o não-escritor que sou. Sou muito inseguro e tenho a tendência a detestar as coisas que escrevo. Não está sendo muito diferente com George, mas estou gostando da experiência. Obrigado, especialmente a você, Luci, pela amizade já antiga que temos e pela confiança na literatura que, em algum ponto da minha alma, eu, talvez, seja capaz de tocar.
    Sydney Grasmann

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